quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Caraúbas

O sertão encantado das caraubeiras

REGIÃO OESTE

Praça Reinaldo Fernandes Pimenta.

“Caraúbas, Passargada dos meus oito anos,
Terra dos meus primeiros alumbramentos,
Tão pequena que eras, mas tão grande,
Na minha geografia de menino”.

(Deífilo Gurgel)

Como num canto laudatório à sua terra, os versos do bardo representam a mais perfeita tradução da beleza parnasiana desse sertão encantado. Pela sua beleza rusticamente sertaneja, Caraúbas causa alumbramentos instantâneos naqueles que se aventuram numa visita descabida a região do Médio Oeste potiguar. A beleza simples das ruas bem cuidadas, aliada ao acolhimento do povo, cria uma atmosfera familiar como se o poeta estivesse em cada recanto de sua Passargada.

Caraúbas é um dos berços da família Gurgel, radicada na região desde os tempos de Dona Quitéria Ferreira de São Luís, filha do Coronel Vicente Gurgel, vindos de Aracati, no Ceará, e de tradicional família cearense.

Mas, a cidade também é povoada pelos reconhecíveis “Cabocos” com suas feições indígenas, moradores dos sítios Chachoeira, Apanha-Peixe e Mirandas. Caboclo é a miscigenação de índios com brancos. Porém, em Caraúbas os cabocos são conhecidos como descendestes de Leandro Bezerra, fundador do município.

Segundo o historiador Raimundo Soares de Brito, em seu livro “Caraúbas Centenária” (Fundação Vingt-Un Rosado), Leandro Bezerra era sobrinho do Tenente-General Francisco de Souza Falcão, da Província do Cabo, em Pernambuco.

Essas famílias edificaram terras na fazenda “Cachoeira”, que em pouco tempo tornou-se uma comunidade de pessoas vinda da cidade do Cabo. Portanto, “cabocos” é uma corruptela para identificar os descendentes daqueles que vieram do Cabo.

Origens caraubenses

A magestosa Caraúbas (jacarandá copaia), uma árvore da família das bignoniáceas.

A origem do nome “Caraúbas” provém de uma densa mata de caraubeiras, árvore de casca amarga e folhas amarelas, existente ao longo de um afluente do rio Apodi. Em 1924, o pesquisador e jornalista Manoel Dantas escreveu em seu livro “Homens de Outrora” (Editora Sebo Vermelho): “Á margem do rio Apodi, eram tantas as caraúbas que davam sombra e ostentavam um cerne gigantesco que os viajantes, nas suas jornadas, marcavam sempre um ponto de descanso na várzea das caraúbas, nome que passou a município e a cidade que hoje se ergue, com seus casarios regulares e bem tratados, no meio de extensos tabuleiros.”

Conforme Manuel Dantas, quando os primeiros cabocos chegaram à região, os índios Paiacus chamavam o lugar de “Carahu-mba” (fruta da casaca negra). Não demorou muito para que as terras fossem chamadas de “Várzea das Caraúbas” e, mais tarde, apenas como Caraúbas, que passou a ser distrito de paz, arrabalde e município.

Hoje, sabe-se que Caraúbas (jacarandá copaia) é uma árvore majestosa da família das bignoniáceas. Ainda hoje, as caraubeiras são vistas pela cidade, dando sombra para uma conversa demorada aos devotos de São Sebastião.

Ao entardecer, é notório o aroma selvagem das Juremas secas na caatinga abrasadora, enquanto o vento do oeste vem mansamente amenizando o calor intenso do meio dia. Cadeiras na calçada dão vida às conversas de amigos, uma tradição viva que Seu Dôdo faz questões de preservar.

Por toda parte pode ser visto fragmentos de beleza num sertão bucólico, onde o folclorista Deífilo Gurgel, um dia, fez deste chão sua oficina de poesia, brotando lembranças da sua geografia de menino.

Potencial Turístico Sertanejo

Antiga estação ferroviária que se transformou em Casa de Cultura do município.

Caraúbas tem um potencial turístico muito promissor e pouco explorado, pois é roteiro alternativo para aqueles aventureiros que querem descobrir as belezas dos sertões, fazendo eco-turismo.

Na região, há uma intensa exploração do “turismo sertanejo”, como acontece em Martins e na Chapada do Apodi, com dezenas de agências levando, na sua maioria norte-riograndenses que querem descobrir o próprio Estado, praticando o “turismo interno”.

Arquitetura preserva a história

Sede da Prefeitura Municipal.

Construído em 1929, o prédio da Estação Ferroviária transformou-se em uma Casa de Cultura com o apoio do Governo do Estado do RN para ser utilizada no desenvolvimento da cultura local, onde os artistas podem mostrar a essência da arte popular caraubense.

O Mercado Central, edificado em 1917, bem preservado e com uma intensa vida comercial, nos remete a um passado glorioso quando Caraúbas começou a ser vilarejo. Aos sábados, a tradicional feira em torno do Mercado atrai gente de todos os lados, movimentando a economia do município.

Era na calçada do mercado que nasciam as idéias políticas entre os caraubenses mais ilustres, enquanto degustavam uma talagada de pinga na mercearia de Tiãozinho, que até hoje mantém seu comércio aberto.

As casas do “Quadro”, conhecido espaço onde tradicionais famílias caraubenses moram, em frente à igreja de São Sebastião, as casas bem cuidadas do “Beco Velho” e os casarios da Praça Reinaldo Fernandes Pimenta, completam o conjunto arquitetônico secular da cidade.

Olho D’água do Milho e escrituras rupestres

Piscinas termais do Olho D'água do Milho.

No Olho D’água do Milho, a 6 km do centro urbano, há um hotel em péssimas condições, em total abandono, onde antes já teve alguns serviços de hospedagens. A fonte termal, que lá existe e jorra permanentemente de um lençol localizado a 200 metros de profundidade, é límpida, incolor e não tem cheiro. Conforme uma placa de aviso no local, o banho nestas águas pode curar os males do corpo e da alma.

Próximo ao Olho D’água do Milho, no meio da caatinga, há um sítio arqueológico com inscrições rupestres. Provavelmente, as escrituras foram deixadas pelos primeiros Paiacus, nação indígena que habitou esse berço de sertão, os quais deixaram suas impressões gravadas nas pedras de um serrote.

Com 30 minutos de caminhada pelo sertão adentro, um morador do lugar pode levar o visitante até um local conhecido por “Pedras dos Índios”, onde podem ser apreciadas centenas de inscrições nas pedras.

A imponência da Fazenda Sabe Muito

Casa Grande da Fazenda Sabe Muito.

A enorme casa, vista da beira da estrada entre os municípios de Apodi e Caraúbas, sobressai em meio à paisagem seca da caatinga no Médio Oeste. A casa grande da propriedade, encravada em um outeiro, foi construída em 1868. Até hoje, não se tem notícias sobre o reconhecimento histórico-arquitetônico, através de processo de tombamento em nível estadual, para averiguar a importância da construção.

A fazenda “Sabe Muito” é o coração da cidade de Caraúbas, a qual foi erguida no final do século XVII, quando vieram para o Brasil alguns portugueses, oriundos da Vila de Faral, província do Douro. Segundo Epitácio Fernandes Pimenta, um índio Payacu, amigo do português Antônio Coutinho, havia encontrado um olho d’água nas imediações da fazenda.

“Antônio Coutinho perguntou se o índio sabia mesmo onde se achava água, o mesmo respondeu: ‘Eu sabe muito’. Coutinho, como todo bom português, conhecia um pouco de sua língua, achou interessante a maneira do Paiacu falar e daquele dia em diante deu o nome dessas terras de Fazenda Sabe Muito”, escreveu Epitácio Pimenta no livro Caraúbas Centenária,

A casa é rústica, mas impressiona pela grandeza que foi construída. É a maior casa do município e parece uma fortaleza, com suas possantes paredes de quatro enormes tijolos que sustentam uma cumeeira com altura de 50 palmos de altura, além de 27 portas e 41 janelas abrigando 20 cômodos. Atualmente, a casa grande da Fazenda Sabe Muito está abandonada, servindo de refúgio para morcegos, ratos e outros animais silvestres.

Atualmente, o Sabe Muito pertence a Jonas Armagílio de Oliveira e Joana Eulália de Oliveira que comprou a propriedade e se estabeleceram na região no ano da graça de 1960. Muito cortês, os descendentes moram ao lado e podem mostrar a casa para o visitante. Nos fundos da casa grande, há uma casa de farinha com os equipamentos velhos e sem uso, mas ainda existe a prensa, o forno e uma grande moenda.

No ermo dos alpendres solitários da fazenda, uma lenda se espalha feito vento ligeiro, contando que existe uma botija de ouro sob os tijolos da imensa sala da casa. A moradora Edileuza de Oliveira Silva afirmou ter escutado a história de um antigo morador da região, mas nunca se interessou em escavar a área.

Edileuza confirma que vem gente "de todo canto" para visitar a casa. Os nomes de inúmeros visitantes incultos estão inscritos com giz nas paredes dos cômodos da fazenda, demonstrando pouca importância pela preservação do lugar.

Casa de Farinha

Casa de Farinha secular, num dos cômodos do Sabe Muito.

A casa de farinha guarda traços dos hábitos dos antigos coronéis sertanejos quando castigava escravos preguiçosos. Grandes armadores, colocados no alto das paredes, são sinais de que o lugar teria sido cenário de torturas físicas, quando as escravas eram colocadas de cabeça para baixo para receber chicotadas. “Elas deveriam ficar nuas para ter o castigo”, ressaltou Edileuza.

Longe das lendas e com toda sua história impregnada nas suas grossas paredes, a Fazenda Sabe Muito permanece relegada ao abandono, disposta a ação dos vândalos e do tempo. A solução é esperar que o órgão responsável pelo patrimônio histórico e arquitetônico do Rio Grande do Norte, a Fundação José Augusto, faça um levantamento para o processo de tombamento do Sabe Muito.

A Fazenda Pedra Pintada e os cabras de Lampião

Fazenda Pedra Pintada.

O fazendeiro João Amorim tem 84 anos de idade e vive nas cercanias de Caraúbas desde 1946, “sem nunca ter arredado o pé das terras para lugar nenhum” como ele mesmo diz ao visitante que chega à Fazenda Pedra Pintada e se senta no alpendre da casa grande para beber um café passado na hora.

Nessas ocasiões, João Amorim aproveita para contar histórias sem fim sobre como sobreviver de agricultura na seca e a passagem de Lampião pelo município, quando o cangaceiro marchava em direção à Mossoró.

Seu João Amorim conta que quando Lampião se direcionava à Mossoró não quis passar pelas terras do coronel Quincas Saldanha, conhecido na região como “Gato Vermelho”, velho inimigo de cangaceiros, muito temido pela sua valentia e crueldade.

O capitão Lampião foi avisado por Marcilon Leite que o bando cruzaria as terras de Quincas Saldanha e o Rei do Cangaço resolveu alterar a rota por temor e respeito ao coronel.

A mudança de direção fez com que a tropa de cangaceiros fizesse uma marcha demorada, chegando a Dix-sept Rosado através da cidade de Felipe Guerra. Por causa da longa caminhada, o trem já havia partido em direção à Mossoró.

“O desvio das terras do Gato Vermelho deu tempo suficiente para os passageiros avisarem aos mossoroenses da chegada de Lampião. Com isso, foi possível armar várias trincheiras na cidade, levando o bando à derrota histórica”, revelou João Amorim, com toda segurança naquilo que dizia.

Sobrevivendo em tempos de estiagem

Seu João Amorin cuidando do seu rebanho, na Fazenda Pedra Pintada.

As João Amorim não gosta da lembrança de longos períodos de seca quando a terra esturricada pela estiagem não serve para o plantio. “Eu tenho dois açudes e dezenas de barreiros na fazenda. Um açude e todos os barreiros já secaram. Só sobrou o açude grande com água e mesmo assim é uma água barrenta que só serve para o gado”, disse o velho agricultor, ressaltando que já se passou o segundo ano (2006-2007) de inverno ruim.

Conforme João Amorim, os sinais da natureza indicam que esse ano o sertão terá um bom inverno. Em noites sem lua, os relâmpagos e trovões nas cabeceiras das serras anunciam a temporada de chuva chegando ao longe. “Os tejuaçus já estão saindo da toca e já estou vendo as abelhas procurando flor. Acho que até o final de fevereiro o inverno chega”, explica.

Na época da seca, mesmo com todas as dificuldades, João Amorim cria gado e bode em suas terras, de onde tira o leite e a carne para o sustento da fazenda. Quando estiver em pleno inverno, o fazendeiro afirma que será possível plantar batata doce, feijão, mandioca, milho, capim para o gado, entre outras culturas de subsistência.

João Amorim criou 14 filhos na Fazenda Pedra Pintada e não pretende sair de lá para lugar nenhum. “Só saio daqui quando estiver morto”, anunciou.

Devoção e festa para São Sebastião

Igreja Matriz de São Sebastião.

Em 1791, uma grande seca assolou o sertão ameaçando exterminar o gado da região. Leandro da Cunha, devoto de São Sebastião, prometeu construir uma capela para o santo se surgisse água franca para a manutenção de sua fazenda. Cavando então um poço perto do riacho a água jorrou em abundância e nunca mais secou.

A partir desse momento, o poço passou a ser chamado de Poço de São Sebastião, que existe até hoje em frente à matriz da cidade. Construída a capela, as romarias e as festas religiosas realizadas atraíam para o local grande número de fiéis, que vinham até mesmo dos mais distantes sertões.

A devoção por São Sebastião continua até hoje, quando os caraubenses comemoram os 150 anos de evangelização em louvor ao santo padroeiro. De 10 a 20 de janeiro, Caraúbas vive seu momento maior de fé e tradição de um dos maiores eventos sócio-religioso do interior do Estado do Rio Grande do Norte. No último dia dos festejos, uma grande procissão segue o andor com o santo percorrendo as principais ruas da cidade e encerrando na Igreja Matriz.


Mercado Público Municipal.
-
Chave da Fazenda Sabe Muito.
-
Casas colados do "Quadro".
-
Casa de dona Quitéria Ferreira de São Luís, filha do Coronel Vicente Gurgel.
-

Casa Grande da fazendo do coronel Quincas Saldanha, o Gato Vermelho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber mais a respeito do Coronel Quincas Saldanha, pode ser?

Marcos Roberto - Prof. Marquinhos disse...

Olá, "Primo"
Formidável teu blog... e muito bem construído o texto sobre "O Sertão encantado das Caraubeiras"...
Jó faltou adicionar o "barraco São Sebastião" do Sr. Duquinha Fernandes, na praça da Igreja Matriz, onde vc tomou a melhor cerveja da cidade e deleitou-se com o papo gostoso e interiorano do seu proprietário!
Abços
Marquinhos (De Demilson)
Professor e Cientista Social

ITEC-Instituto Técnico de Estudos Cinematográficos disse...

Olá cineasta e dir. de comunicação da ABDeC/RN
Bonito trabalho.
Em 1989, produzi um documentário sobre a seca no vale do Açu que foi exibido nacionalmente pela TV Cultura.
Com as fotos e o teu espírito desbravador de “entradas e bandeiras”, encontrando e documentando um ouro diferente da turma da antiga, mostrando o que o RN tem de histórias, vou colocar em prática um roteiro que tenho, intitulado: “Os Caminhos da Seca no RN”.
Assim que o novo equipamento chegar.
Mais uma vez, parabéns.
Um abraço
Carlos Tourinho

Anônimo disse...

FRANCISCO SANTOS - SÃO FERNANDO-RN

Gostaria de saber mais a respeito do coronel Quincas Saldanha ....URGENTE
MOTIVO: na minha cidade tem um senhor de 85 anos que confirma de fé e verdade que é filho do coronel Quinca Saldanha, estou fazendo um estudo a respeito do mesmo.
espero resposta..santos1999@ig.com.br

SÃO FERNANDO-RN